março 30, 2005

Aborto e o papel do Estado



Já escrevi sobre este assunto no defunto "Choldra Ingovernável" (link indisponível, eu apaguei o blog... burro!). Sempre defendi que a principal componente da questão do Aborto, muito mais do que de consciência, é política. É mesmo da própria definição do papel que o Estado deve desempenhar.
Desde sempre, o Estado teve, e tem, o poder de tirar vidas, quando o bem comum assim o exige (guerra, desordem pública, até no próprio poder judicial). Nesta medida, o Estado tem uma dimensão assassina, é-lhe intrínseca. A questão no Aborto é saber se é necessário para o bem comum aumentar essa dimensão. Neste sentido, os argumentos de maior validade para a descriminalização do Aborto são a preservação da Saúde Pública e a coesão socio-económica do país. Para os que defendem um papel mais forte do Estado, embriões indesejados devem ser executados (sim, por muito que não gostem, já se trata de vida. Ainda por cima, é um assassínio cobarde). É por isso natural que a Esquerda, na sua maioria, tome esta posição. Os que defendem um menor peso do Estado, opõem-se acerrimamente (normalmente, a Direita).
Confesso que não me faz confusão o Estado ter esse poder. Sempre defendi um Estado leve, mas com autoridade. No entanto, se alguém que eu conhecesse recorresse ao aborto, não teria dúvidas em censurá-la fortemente. Delegar a responsabilidade de ter filhos ao Estado é um sinal de uma falta de carácter que eu, no trato pessoal, não aceitaria. Ou seja, consigo distinguir (penso eu) a componente política da componente de consciência (como já disse no "Choldra", quem põe a hipótese de abortar continuará a fazê-lo, sucedendo o mesmo aos que rejeitam tal hipótese), coisa que muita gente não consegue.
Não posso deixar de dizer que, ao discirminalizar-se o aborto, está a dar-se um passo perigoso. Se a existência de uma vida pode reger-se por razões meramente económicas, esta tem, efectivamente, pouco valor...

março 29, 2005

Música é vida #5



Espalhem a notícia
do mistério da delícia
desse ventre
espalhem a notícia do que é quente
e se parece
com o que é firme e com o que é vago
esse ventre que eu afago
que eu bebia de um só trago
se pudesse

Divulguem o encanto
do ventre de que canto
que hoje toco
a pele onde à tardinha desemboco
tão cansado
esse ventre vagabundo
que foi rente e foi fecundo
que eu bebia até ao fundo
saciado

Eu fui ao fim do mundo
eu vou ao fundo de mim
vou ao fundo do mar
no corpo de uma mulher

A terra tremeu ontem
não mais do que anteontem
pressenti-o
o ventre de que falo como um rio
transbordou
e o tremor que anunciava
era fogo e era lava
era a terra que abalava
no que sou

Depois de entre os escombros
ergueram-se dois ombros
num murmúrio
e o sol como é costume foi um augúrio
de bonança
sãos e salvos felizmente
e como o riso vem ao ventre
assim veio de repente
uma criança

Falei-vos desse ventre
quem quiser que acrescente
da sua lavra
que a bom entendedor meia palavra
basta é só
adivinhar o que há mai
sos segredos dos locais
que no fundo são iguais
em todos nós


(Espalhem a notícia, Sérgio Godinho)

março 28, 2005

Páscoa



Fui comer o Assado de Borrego à minha terra. Ontem deu o Ben-Hur. A Páscoa ainda é a Páscoa. Felizmente.

março 22, 2005

A magia do Auto-rádio



Há uns tempos, uma pessoa disse-me que uma das coisas que mais falta lhe fazia no carro era ter o autorádio a funcionar (tinha um ruído estranho e deixava, a certo ponto, de emitir qualquer som de jeito). Na altura não compreendia, porque sempre vivi ao pé dos sítios onde estudava. Hoje, posso dizer que o auto-rádio é um dos meus melhores amigos. Reflecte exactamente o meu estado de humor. Caso esteja com energia, ponho na Orbital, para ouvir o techno-chunga do momento e remixes de todo e qualquer hit dos anos 80, além de ficar a saber o nome de todas as discotecas e bares da Póvoa de Sto. Adrião, Sta. Iria de Azóia, Póvoa de Sta Iria, Sto António dos Cavaleiros, S. João da Talha, Sacavém, Loures e arrabaldes afins. Caso esteja em mim, lá tenho que pôr na Radar, sujeito a ouvir o anúncio do Paga Pouco e do seu irmão gémeo, o móveis detodomundo.
Outra coisa muito boa no auto-rádio é o facto de não ter opinião sobre nada, o que o torna um compincha dos melhores: segue-nos sempre sem nenhum queixume. Tem-se mostrado fiel e leal. É, efectivamente, um grande amigo.

A estrada da Libertação



Tal como o CC, o IC19 começou a fazer parte da minha vida. É claro que eu tenho uma grande vantagem: só o faço à noite, no sentido Cacém-Lisboa, o que não me impede de apanhar, volta e meia, grandes estuchas. E é nessas filas que penso na vida, após o dia de trabalho. É ali que estou verdadeiramente sozinho. Sou eu, na minha plenitude. Ali, algures entre Barcarena e Queluz, sou Livre.

março 19, 2005

Alentejo, PCP e homogeneidade de Portugal



Sou Alentejano. Além de o ser, mantenho contacto com a minha terra natal, alguns dos meus melhores amigos são de lá e grande parte da minha personalidade explica-se por vivências que lá tive. Uma delas sobressai em relação a todas as outras: sou um homem com Fé. Tenho Fé em mim, tenho Fé no Benfica, tenho Fé no Amor, tenho Fé na Amizade, tenho Fé nas pessoas, tenho Fé nos indivíduos enquanto motores da Sociedade. Também por sermos homens de Fé, nós, Alentejanos, somos extraordinariamente conservadores. É apenas um conservadorismo avassalador que explica a força do PCP nas minhas terras. Perante o grau de injustiça a que foram submetidos até ao 25 de Abril, em que viviam sob um sistema que mantinha características medievais, orientaram a sua Fé para a força motriz da mudança, que destruiu muito, arruinando um possível tecido de empresários agrícolas, mas levando a uma melhoria relativa das vidas das pessoas, pela força reivindicativa e pelo Poder que tiveram durante o PREC. Assim, tornaram-se devotos do PCP, enquanto instituição para a promoção da igualdade entre todos. É isso também que explica a rigidez do PCP: é uma Igreja dos que vêem o Estado como solução de todos os problemas.
Os Alentejanos mantêm a sua Fé não só no PCP, mas também nas suas tradições e costumes. E o PCP percebe isso. Exemplos claro disso são o recurso a música tradicional que toca sempre que há campanhas eleitorais e a omissão clara de temas actualmente conotados com a Esquerda, como a liberalização do consumo de drogas ou o casamento entre homossexuais. Tal deve-se ao facto de, além de sermos Alentejanos, sermos profundamente Portugueses, na nossa maneira de ser. A sociedade portuguesa é, na sua globalidade, conservadora. Apenas há uma heterogeneidade política: enquanto que no Norte, se promove o indivíduo como entidade política essencial, no Sul promove-se o Estado (não é por acaso que o Alentejo, durante a Guerra Civil, alinhou sobretudo com a causa Absolutista, em contraponto ao Norte, maioritariamente liberal). Ou seja, no fundo, de Norte a Sul, somos os mesmos.

A frase



O mundo criado por Tolkien sempre me fascinou. Já o li umas três vezes tanto o Senhor dos Anéis como o Silmarillion (sendo este último ainda mais magistral que a saga original). Foi de tal modo importante que a frase com maior significado na minha vida está lá contida. No Livro I do Senhor dos Anéis, Gandalf deixa uma carta a Frodo, deixando como senha para identificação de Strider/Aragorn:

All that is gold does not glitter
Not all those who wander are lost


Claro que a frase se insere no contexto de toda a decadência da Casa de Isildur e dos Dunedáin, mas é verdadeiramente uma frase valiosa e aplicável à nossa vivência. O seu significado é, no fundo, bastante semelhante ao do sub-título deste blog. Porque, efectivamente, nem todos os que vagueiam estão perdidos, sabem o que querem, descobrindo nobreza de carácter, por vezes oculta, em várias pessoas, que se tornam dignas de admiração e de amor.