março 30, 2005

Aborto e o papel do Estado



Já escrevi sobre este assunto no defunto "Choldra Ingovernável" (link indisponível, eu apaguei o blog... burro!). Sempre defendi que a principal componente da questão do Aborto, muito mais do que de consciência, é política. É mesmo da própria definição do papel que o Estado deve desempenhar.
Desde sempre, o Estado teve, e tem, o poder de tirar vidas, quando o bem comum assim o exige (guerra, desordem pública, até no próprio poder judicial). Nesta medida, o Estado tem uma dimensão assassina, é-lhe intrínseca. A questão no Aborto é saber se é necessário para o bem comum aumentar essa dimensão. Neste sentido, os argumentos de maior validade para a descriminalização do Aborto são a preservação da Saúde Pública e a coesão socio-económica do país. Para os que defendem um papel mais forte do Estado, embriões indesejados devem ser executados (sim, por muito que não gostem, já se trata de vida. Ainda por cima, é um assassínio cobarde). É por isso natural que a Esquerda, na sua maioria, tome esta posição. Os que defendem um menor peso do Estado, opõem-se acerrimamente (normalmente, a Direita).
Confesso que não me faz confusão o Estado ter esse poder. Sempre defendi um Estado leve, mas com autoridade. No entanto, se alguém que eu conhecesse recorresse ao aborto, não teria dúvidas em censurá-la fortemente. Delegar a responsabilidade de ter filhos ao Estado é um sinal de uma falta de carácter que eu, no trato pessoal, não aceitaria. Ou seja, consigo distinguir (penso eu) a componente política da componente de consciência (como já disse no "Choldra", quem põe a hipótese de abortar continuará a fazê-lo, sucedendo o mesmo aos que rejeitam tal hipótese), coisa que muita gente não consegue.
Não posso deixar de dizer que, ao discirminalizar-se o aborto, está a dar-se um passo perigoso. Se a existência de uma vida pode reger-se por razões meramente económicas, esta tem, efectivamente, pouco valor...

6 Comentários:

Anonymous Anónimo aconselhou...

Há gente de esquerda que é contra o aborto, e de direita que é a favor da descriminalização o que quer dizer que há mais coisas em causa para além do papel do Estado ou da ideia do papel do Estado na sociedade. A esfera privada, de moral, de valores, de crenças é inerente.

12:20 da tarde  
Blogger Pedro aconselhou...

Eu não nego que a barreira Esquerda/Direita não seja estanque. O que eu digo é que, tendencialmente, as pessoas de esquerda apoiam a descriminalização do aborto, passando-se o inverso com as pessoas de direita. E isso tem muito a ver com a ideia de Estado que têm. Mas note-se que essa barreira também não é estanque noutros assuntos puramente políticos. É claro que o problema do aborto tem dimensão ética, mas que, em meu entender, não deve transbordar para o problema político

3:58 da tarde  
Anonymous Anónimo aconselhou...

"não nego que não seja"? Porra, que já pareces o Bernardino do PCP...

5:42 da tarde  
Blogger Pedro aconselhou...

mea culpa, de facto, a dupla negação é mazinha. Mas ninguém pode igualar o grande Bernardino, o crente na Coreia do Norte

12:24 da tarde  
Anonymous Anónimo aconselhou...

(Com o devido respeito,) esta ideia é um disparate pegado. A maior parte das pessoas de Direita que conheço são pró-liberalização. Eu, a quem tu já chamaste de extrema-esquerda, sou contra. E não é por ser católico. Nas discussões sobre o aborto, nunca invoco nenhum argumento religioso.
Pode ser, precisamente, por ser de esquerda. Já pensaste?: a defesa dos mais fracos e indefesos, dos que não têm voz, a luta contra as clínicas privadas, etc.

E «o problema do aborto tem dimensão ética, mas não deve transbordar para o problema político»? O que queres dizer com isto? Todas as normas penais (e outras, como as fiscais, de trabalho e até civis) têm uma dimensão ética. Não devem transbordar para a política? O que é a política, então?

Defendendo eu um papel mais forte do Estado na sociedade (como medida reguladora para atenuar e combater as desigualdades sociais), oponho-me à liberalização do aborto porque isso representa uma demissão do Estado num problema que diz respeito a toda a comunidade.

Um abraço.

11:52 da manhã  
Blogger Pedro aconselhou...

CC,

Sabes bem que tu não és representativo da Esquerda nesta matéria. Se o negares, estás a ser pura e simplesmente desonesto. Se pensares no eleitorado de Direita tradicional em Portugal, que, como disse o VPV, não conheceu nenhuma refundação desde o fim do Salazarismo, sabes PERFEITAMENTE que a ESMAGADORA maioria é contra a descriminalização do aborto. Nesta matéria, a blogosfera não é nada representativa.
O argumento que tu apresentas para que o aborto não seja descriminalizado (demissão do Estado)é perfeitamente válido. Aliás, é a principal razão pela qual eu, se houver referendo, votarei NÃO, o que não invalida o facto de não me chocar a descriminalização.
Efectivamente, todo o Direito emana do que os cidadãos consideram correcto, pelo que todas as leis têm uma dimensão ética. Tu, como licenciado em Direito, sabes isso muito melhor do que eu. A Ética não pode é ter a dimensão que toma neste assunto, que torna uma questão de importância menor (por muito qur custe ouvir) a questão mais fracturante da nossa sociedade.

4:33 da tarde  

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